quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Algumas reflexões iniciais sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação e a educação

Durante a Jornada EaD efetuada na UNIPAMPA, em São Gabriel, escrevi este texto, com base em reflexões surgidas ao longo dos debates do primeiro dia de trabalhos. Espero que seja útil para entendermos o papel das TICs na sociedade moderna-líquida.

Abraço                         

Rafael Cabral Cruz, professor adjunto do Campus São Gabriel da UNIPAMPA

É notável como as tecnologias de informação e comunicação (TICs) têm entrado na nossa vida de forma avassaladora. 

Há um tempo atrás, quando trabalhava na Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul no Projeto de Monitoramento de Fauna Cinegética (aves de caça), um colega contou um caso muito interessante que reflete o contraste e a forma como as pessoas viviam as informações. Por ocasião de uma campanha de censo terrestre de aves aquáticas na região de Bagé, chegou uma equipe em uma Toyota Bandeirante repleta de equipamentos em um bolicho de campanha para tomar um refrigerante. Ao ingressar no recinto, paramentados com roupas camufladas, com máquinas de fotografia penduradas no pescoço, um gaúcho, apoiado em um dos cotovelos sobre o balcão, bicando um martelinho, não deixou de observar aquelas criaturas diferentes. Não resistiu. Logo perguntou:

- Não me leve a mal a pergunta, mas o que vocês fazem?

Prontamente um dos membros da equipe saiu explicando que estavam fazendo levantamento, nos banhados e açudes, do número de marrecas que existiam, explicando como procediam as contagens. O gaúcho ouviu atentamente entre um trago e outro de canha e, após a explanação, soltou:

- Hummmmm! Então vocês são tropeiros de marrecas......

Os censos eram realizados anualmente. Deste modo, no ano seguinte, a equipe parou no mesmo bolicho e encontrou o mesmo gaúcho encostado no balcão, com o mesmo copo de canha.... Segundo o bolicheiro, depois que a equipe partiu no ano anterior, a “tropeada de marrecas” foi assunto de acalorados debates no bolicho por mais de quatro meses!

Mais ou menos na mesma época, em função de meus estudos referentes ao mestrado, fiz uma viagem a São Paulo e, na bagagem, trouxe cerca de 30 kg de xerox de artigos que somente encontrava na USP. Valia a pena, pois para termos acesso aos artigos, fazíamos pesquisas na biblioteca da UFRGS em arquivos constantes em microfilmes e solicitávamos cópias pelo sistema de comutação bibliográfica (COMUT). Algumas vezes demorávamos mais de seis meses para receber o artigo solicitado. Eles viajavam pelo correio.

Naquela época, a quantidade de conhecimento que um profissional acessava durante a sua formação, através do que era repassado pelos professores ou que havia nas bibliotecas, definia o valor que o profissional teria para enfrentar os desafios profissionais no futuro. De certa forma, a qualidade da informação era certificada pela academia, uma vez que era repassada pelos docentes ou no acervo cuidadosamente selecionado das bibliotecas.

Pelo acesso a informação ser lento, líamos e relíamos os artigos e livros, refletíamos e discutíamos em grupos de estudo, procurando entender todo o conteúdo e pensar sobre as possíveis aplicações para a nossa realidade (a qual poderia ser genérica, em termos de visão de mundo ou específicas dos trabalhos nos quais estávamos envolvidos na iniciação científica).

Com o advento da internet, a conjuntura muda radicalmente. Na minha área, se colocar a palavra de busca “ecologia” no Google, obtenho o seguinte retorno: “Aproximadamente 34.600.000 resultados (0,10 segundos)” . Se usar “ecology”, obtenho: “Aproximadamente 96.400.000 resultados (0,09 segundos)”.

Imaginem que eu queira verificar cada uma destas entradas. Se quiser somente verificar se o sítio é interessante e gastar cerca de três minutos em cada um, gastaria cerca de 197 anos para terminar a tarefa para a palavra “ecologia” e cerca de 550 anos para “ecology”.

O universo de informações que uma pessoa pode acessar hoje, em função das TICs, é infinitamente maior que a sua capacidade de apreender este conhecimento ao longo de toda a sua vida.

O mundo do bolicho de Bagé e o da internet, orkut, facebook não está tão distante, nem no tempo, nem no espaço. No entanto, são completamente diferentes. No primeiro caso, as pessoas podiam viver uma novidade e discutir durante meses a mesma, digeri-la, até que uma nova novidade viesse desbancar a manchete (que não era do dia, nem da hora como na BANDNEWS, mas do ano). As informações, ao ficarem mais fáceis, também se tornam cada vez mais “instantâneas”, e as manchetes se sucedem de modo mais rápido, não deixando tempo para uma digestão adequada das mesmas. De certa forma, as TICs provocaram o que pode ser chamado de poluição informativa.

Se eu pudesse cumprir a missão de consultar durante os 550 anos somente as entradas listadas nas consultas acima (vamos imaginar que eu achei o elixir da longevidade e que vou ignorar todas as entradas novas sobre o tema nos próximos 550 anos), descobriria daqui a 550 anos, que a maior parte das entradas que teria avaliado durante todo este tempo seriam puro lixo. Poluição informativa, degradando o ambiente informacional e o nosso cérebro, que é o órgão através do qual construímos nossa visão de mundo. Descobriria que haveria perdido 550 anos de vida. No entanto, vivemos com uma expectativa de cerca de 75 anos. Logo, além de não podermos mais, como no tempo de Aristóteles, ter acesso a todo o conhecimento da humanidade, e nem mesmo de uma área do conhecimento, as habilidades e competências de um profissional deixaram de ser avaliadas em termos da sua capacidade de acumular conhecimento sobre uma série de disciplinas. Hoje a informação não está mais em uma biblioteca de um campus universitário, ela está, virtualmente, em todo o lugar, basta ter acesso à internet.

Nossos filhos já nascem em um mundo digital.

Neste mundo do instantâneo, são capazes de lidar rapidamente com o aprendizado tecnológico. Aprendem a usar computadores, softwares, celulares, smartphones, tablets com uma velocidade enorme. No entanto para que usam estas habilidades? Para que usam as TICs?

Vejamos a evolução das redes sociais. No MSN, as pessoas conversavam escrevendo sobre os temas e trocando informações rápidas. Dada a necessária velocidade da comunicação, a própria grafia começou a ser alterada, com “q” em lugar de “que” e assim por diante. Com o Orkut, as pessoas começaram a ser mais breves e os recados passaram a ser dominantes. No Facebook, os recados são ainda mais curtos e no Twitter, telegráficos. Assim como a duração da mensagem, sua validade se esgota em minutos, se não segundos. Não existe tempo para parar e pensar.

Além das redes sociais, basicamente os jovens usam a internet para jogos on line.  Quando usam para outros fins, normalmente é para assistir o You Tube, fazer downloads de músicas, filmes e acessar sítios de artistas. Além disso, somente por obrigação, quando são cobradas pesquisas na escola. Neste caso, além da Wikipédia, costumam consultar sítios que postam trabalhos prontos....

Raramente encontramos jovens que navegam na internet filtrando informações e usando seu conhecimento adquirido na escola e nas leituras para filtrar o lixo informativo e construir um conhecimento próprio, realmente. Para fazer isto, filtrar, são necessários filtros. Filtros são conhecimentos que possuem credibilidade e que podem ser adquiridos na escola ou nas leituras orientadas pela escola e, muitas vezes, pela família. Se alguém navega pela internet sem filtros, não poderá avaliar se as informações disponíveis nos sítios são válidas, contribuem para a construção do conhecimento, ou se são lixo informativo, que somente constrói a confusão e a dificuldade no aprendizado, quando não divulgando informações falsas e interpretações baseadas em suposições infundadas.

Ao contrário do passado, onde o profissional era avaliado pela quantidade de conhecimento que tinha, hoje, em um mundo poluído por lixo informativo, a maior competência é a de saber filtrar, em meio a um universo de informações infinito para fins práticos, as informações que são relevantes para que se possam construir conhecimentos que ajudem a melhorar a qualidade de vida do ser humano.

Isto requer um profissional que não é levado pela maré da torrente de informações instantâneas e irrefletidas. Isto pressupõe um profissional que sabe usar as TICs, que as domina e que as coloca a serviço do pensamento crítico. Ou seja, o oposto do sentido dominante da mídia, que é cada vez mais instantânea e acrítica. Hoje a mídia opina e pensa pelas pessoas, formando a opinião pública. Incute este senso comum “guela abaixo” das pessoas, em uma torrente de informações que não permite parar e pensar, uma legítima lavagem cerebral coletiva.

As TICs devem estar a serviço de quem? Da sociedade como um todo ou de alguns?

As TICs devem estar a serviço da humanidade, não a humanidade a serviço das TICs. Nosso futuro será o do ciborgue, que submete a tecnologia ao ser humano, ou da robotização do mesmo?

Bem, esta discussão exige, também, que se reflita sobre a conjuntura na qual se insere o programa de expansão do ensino superior no Brasil e o papel da EAD para atingir as metas.

Embora o Brasil esteja entre as dez maiores economias do Planeta, seus indicadores de qualidade de vida não correspondem ao acúmulo de riquezas. Entre eles, a educação do Brasil ocupa o 88º lugar na pesquisa de qualidade do ensino efetuada pela UNESCO, entre 127 países pesquisados.

O Brasil, em 2000 tinha 12,39% da população com Ensino Médio completo e 3,47% com Ensino Superior completo. Se considerarmos que o Japão, último país a embarcar no trem da Revolução Industrial no século XIX e criar as bases para se tornar um país desenvolvido, o que ocorreu como conseqüência da Revolução Meiji, em 1870, época da revolução, já possuía cerca de 40% da população economicamente ativa com o ensino médio completo.

Existe, portanto um grande déficit educacional para um país que deseja se tornar um país desenvolvido. Isto está por trás das políticas de expansão do Ensino Superior, incluindo, entre as estratégias, a EAD. Tudo para mudar, de forma acelerada este quadro de déficit educacional.

Para isto, as políticas públicas visam reduzir o tempo para formação dos estudantes, reduzir a evasão e aumentar o número de matrículas em um ritmo mais rápido que o crescimento populacional. Este desafio leva à chamada política da padaria, onde as instituições de ensino são pressionadas para formarem verdadeiras fornadas, sem que os “pães” “queimem”, ou seja, sem ultrapassar o tempo previsto para se formarem.

Esta pressão quantitativa pode gerar, por outro lado, um déficit de qualidade. Vejam dados que recebi do prof. Afrânio Righes:

“A China  investiu na capacitação de seus professores pagando melhores salários. O país destaca-se em 1º lugar na classificação da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que avaliou o desempenho dos estudantes com 15 anos do ensino fundamental em escolas públicas e privadas de 65 Países. O Brasil ocupa o 57º lugar em matemática, 53º em Literatura e 53º em Ciências (Veja, 2010). O senador Cristovam Buarque manifestou em Plenário, (23/03/2011), sua preocupação com o fato de o Brasil estar mal posicionado em relação aos demais países do mundo, ocupa o 88º lugar de 127 no ranking de qualidade da educação feito pela Unesco o país fica entre os de nível "médio" de desenvolvimento na área, atrás de Argentina, Chile e até mesmo Equador e Bolívia”.

De certa forma, nossas instituições de ensino estão como mariscos entre o mar e o rochedo. Por um lado pressionados por indicadores populacionais que apresentam um grande déficit educacional e por outro por um padrão de qualidade péssimo de nossa educação. Pergunta-se: é possível atender as duas demandas simultaneamente? Qual o papel das TICs neste processo? Atender a demanda quantitativa ou qualitativa? Usar as TICs como forma de acessar um mundo de informação de qualidade para aperfeiçoar e ampliar o processo ensino-aprendizagem ou para tentar usar como um curativo BANDAID para as feridas do nosso sistema educacional?

Responder a estas perguntas é algo fundamental para que possamos definir o papel das TICs na Educação.

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